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terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Intolerância

José das Dores nasceu em uma pequenina cidade perdida pelo interior de nosso país. Teve uma infância difícil, trabalhava em uma mina de carvão para ajudar a sustentar seus sete irmãos. Filho de mãe solteira, nunca conheceu seu verdadeiro pai, era um bastardo. Para compensar, José chamava de pai qualquer um dos diversos homens com quem sua mãe saía. Nunca teve a sorte de possuir o mesmo pai por mais de 11 meses: era só a barriga da mãe crescer e pronto, o “pai” picava a mula.

Mesmo tendo de trabalhar para sustentar sua família, José das Dores decidiu estudar. Não tinha dinheiro para comprar o material escolar que os demais alunos possuíam e, por isso, virou motivo de chacotas na escola. Como ele poderia esquecer da risada e piadinhas das outras crianças? Ele recordava, principalmente, de um dia quando o professor o humilhou diante de toda a turma: colocou-o de frente à parede trajando um chapéu com duas orelhas de burro.

Certo dia, o dono da mina de carvão tentou abusar sexualmente de José das Dores; contudo, a sua agilidade o salvou: ele se soltou das garras do homem, pegou uma barra de ferro e acertou em cheio a testa daquele tirano. Depois de agredir o patrão, José teve de fugir da mina. Correu aos prantos para casa buscando o abrigo da mãe. Ao chegar a casa, teve uma grande surpresa: a mãe o repreendeu, deu-lhe uma boa surra e o mandou de volta à mina para pedir desculpas ao chefe e dizer que ele acataria a todas as ordens, fosse elas quais fossem. Prefiro abster-me de lhes contar o que aconteceu daquele dia em diante na mina de carvão.
José das Dores teve de conter sua amargura para não prejudicar sua família, teve de tolerar as piadinhas na escola para não prejudicar seu sonho de modificar o futuro que todos diziam que ele teria, teve de tolerar os pés que passavam sobre ele constantemente.

Finalmente ele concluiu o ensino fundamental. Mas, ao contrário do que ele pensara, sua vida não mudou para melhor. Faltavam-lhe oportunidades de emprego, faltava-lhe uma chance para demonstrar o seu verdadeiro valor. Se você, leitor, achou a história de José das Dores triste até agora, não consegue sequer imaginar o sofrimento que lhe estava reservado.

Como todos devem saber, a exposição humana ao dióxido de carbono (CO²) em locais confinados, gera problemas respiratórios. José das Dores descobriu isso da pior maneira: de modo prático. Aquela negra e densa fumaça apossou-se de seus pulmões, trazendo mal estar, fraqueza e uma tosse que mais parecia navalhas cortando seu peito.

Alguém consciente denunciou a mina de carvão ilegal e logo a polícia, agentes da saúde, agentes tutelar e a televisão apareceram. O causo de José das Dores ficou conhecido no país inteiro. Infelizmente os jornais tiveram de noticiar sua morte. Seria apenas mais uma pessoa morta pela intolerância humana, mas o prefeito da cidade tentou se redimir de uma forma inusitada, para não dizer irônica.

Hoje, José das Dores é o nome de uma rua naquela pequenina cidade afastada e perdida no interior de nosso país. Agora que José das Dores é uma rua, ele poderá dar continuidade àquilo que ele sempre fez em sua vida: ser pisado por todos os que o conheciam e pela intolerância humana.


Guilherme Henrique Miranda
Santos, 14/9/2009

2 comentários:

Camila Pizarro disse...

Vamos marcar sim pra vc conhecer meu vô.
Amei seu texto! Muito bom mesmo!
bjs

Anônimo disse...

é uma história triste, crítica! gostei muito! acho que isso acontece porque nos preocupamos só com nosso bem-estar o dos outros..é problema deles, esse é o mal da humanidade.